O anúncio da elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), feito pelo governo federal em 22 de maio, surpreendeu o mercado financeiro e acentuou as preocupações de empresários e analistas sobre o impacto da medida no custo do crédito e na atividade econômica. A decisão foi tomada paralelamente à contenção de R$ 31,3 bilhões do Orçamento de 2025 — o maior bloqueio de recursos desde o início do atual mandato presidencial.
Embora parte do mercado aguardasse apenas o anúncio do contingenciamento orçamentário, a elevação do IOF não era esperada e gerou forte reação dos setores produtivo e financeiro. A avaliação é de que o aumento do imposto pode dificultar o acesso ao crédito, sobretudo para empresas de menor porte, pressionar os custos de produção e manter a inflação elevada.
IOF mais alto afeta diretamente o crédito para empresas
O decreto publicado pelo governo alterou substancialmente a tributação de operações de crédito. Antes da mudança, o IOF incidente sobre operações de crédito era composto por uma alíquota fixa de 0,38% e uma alíquota diária de 0,0041%. Com a nova regra, os percentuais praticamente dobraram: 0,95% fixo e 0,0082% ao dia.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procurou minimizar os efeitos da medida, afirmando que o aumento não atinge diretamente o crédito destinado às pessoas físicas. No entanto, a elevação afeta o crédito empresarial, atingindo segmentos produtivos e cadeias de suprimentos que dependem intensamente de financiamentos bancários.
Segundo relatório do Bank of America, o aumento do IOF representa risco elevado para empresas de menor porte, que não têm acesso ao mercado de capitais e dependem fortemente de crédito bancário. "O IOF sobre o risco sacado pode representar um risco para as cadeias de suprimentos de proteínas, indústrias e varejistas. Também vemos um risco de inflação de custos", aponta o banco.
Efeito semelhante a alta de juros, avaliam analistas
Economistas da XP Investimentos avaliaram que a elevação do IOF equivale, na prática, a um aumento de 25 a 50 pontos-base na taxa básica de juros (Selic), que atualmente já se encontra no maior nível em quase duas décadas, fixada em 14,75% ao ano.
A lógica segue o mesmo princípio do controle monetário: ao encarecer o crédito, o governo reduz a circulação de capital na economia, o que tende a conter a demanda e, consequentemente, aliviar pressões inflacionárias. Contudo, a XP observa que o IOF não produz os mesmos efeitos amplos sobre expectativas inflacionárias, consumo futuro e câmbio, como ocorre com a política monetária conduzida pelo Banco Central.
"Um IOF mais alto pode substituir o aumento final de 25 pontos-base previsto para junho, encerrando o atual ciclo de alta", aponta o relatório da XP.
Febraban estima alta significativa no custo efetivo do crédito
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) calculou que o aumento do IOF pode elevar o custo efetivo total das operações de crédito de curto prazo entre 14,5% e 40%, dependendo da modalidade de financiamento. A elevação deve afetar principalmente as linhas de crédito empresarial de curto prazo, utilizadas por micro, pequenas e médias empresas para capital de giro.
Críticas do setor produtivo: risco à competitividade e aos investimentos
Entidades representativas do setor produtivo criticaram duramente a decisão do governo. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirmou que o encarecimento do crédito ocorre em um momento de forte restrição financeira já enfrentada pelas empresas brasileiras.
"Tais medidas terão como consequência o aumento dos custos das empresas, inclusive as do setor industrial, já penalizadas pela distribuição tributária desigual e pela dificuldade de acesso ao crédito — sobretudo em um ambiente marcado por taxa básica extremamente contracionista e spreads bancários excessivamente elevados. O efeito será muito negativo sobre a atividade econômica e vai inibir investimentos", afirmou a Fiesp em nota oficial.
Leonardo Roesler, especialista em direito tributário e empresarial, também criticou a medida, destacando o impacto negativo sobre o consumo, os investimentos privados e a competitividade nacional. Segundo ele, "famílias endividadas, pequenos empreendedores, produtores e comerciantes que dependem de financiamentos de curto prazo são as principais vítimas dessa decisão".
Para o especialista, a decisão do governo revela "insensibilidade econômica grave, que distancia a política fiscal da realidade da economia brasileira".
XP vê impacto limitado para algumas empresas
Apesar das críticas do setor produtivo, a análise da XP Investimentos pondera que parte das empresas poderá mitigar os efeitos do aumento do IOF por meio de alternativas de financiamento isentas do tributo, como debêntures e outras linhas de crédito fora do sistema bancário tradicional.
Segundo os analistas da casa, a utilização dessas modalidades pode reduzir o impacto sobre os resultados financeiros de companhias com maior acesso ao mercado de capitais.
Incerteza política e ruídos institucionais agravam o cenário
Além dos efeitos econômicos diretos, o aumento do IOF também foi apontado por analistas como um fator que amplia a percepção de risco institucional no país. Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, avalia que a decisão do governo, anunciada sem diálogo prévio com o Congresso Nacional, gera ruídos adicionais sobre a condução fiscal e afeta a confiança dos investidores.
"Quando o governo toma medidas com impacto direto na economia sem qualquer diálogo prévio com o Legislativo, corre o risco de gerar grandes ruídos; e o mercado lê isso como perda de capacidade de articulação e ainda mais fragilidade na condução fiscal", alerta o executivo.
Para Eyng, o maior problema não reside apenas na elevação da alíquota do IOF, mas sim na incerteza gerada: "Economia precisa de previsibilidade, e esse tipo de ruído institucional gera exatamente o contrário".
Debate político e pressão por derrubada do decreto
Diante dos impactos apontados pelo setor privado, representantes empresariais e políticos já articulam medidas para tentar derrubar o decreto que elevou o IOF. A pressão recai sobre o Congresso Nacional, que pode sustar atos normativos do Executivo que envolvam aumento de tributos.
A possibilidade de reversão legislativa ainda é incerta, mas o debate sobre o tema deve se intensificar nas próximas semanas, à medida que as consequências da medida passem a ser absorvidas pelo mercado e pelo setor produtivo.Com informações da CNN